À revelia, junto dois poetas de língua francesa nascidos bem distantes no tempo: Joachim du Bellay (1522-1560), um dos grandes da Renascença, e que deu origem a famosa Plêiade poética com Pierre de Ronsard (1524-1585). Du Bellay é autor de sonetos famosos reunidos no livro Les regrets, publicado em 1558. Philippe Jaccottet (1925-2021) era suíço. Escritor, tradutor, crítico literário, mas, acima de tudo, poeta de grande inventividade. Traduzi mais poemas dele, que postarei nas próximas edições deste faux hebdomadário, como diria Aquilino Ribeiro.
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SONETO XXXI
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Feliz quem, como Ulisses, fez a travessia,
Ou conquistou o velo de ouro de Jasão,
E depois retornou pleno de uso e razão,
Pra viver entre os seus o resto dos seus dias.
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Quando reverei, ai, da minha aldeiazinha
O fumo e a chaminé, e em que bela estação
Eu reverei os quartos do meu casarão,
Que é minha província e maior não se alinha?
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Mais me apraz o solar desses meus ancestrais,
Que os palácios Romanos bem mais colossais,
Mais que o mármore frio me apraz a ardósia fina:
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Mais meu Loire gaulês, do que o Tibre latino,
Mais meu pobre Liré que o monte Palatino,
E mais que o ar marinho, a doçura angevina.
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Joachim du Bellay (1522-1560). Les Regrets. Trad. João Filho.
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SONNET XXXI
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Heureux qui, comme Ulysse, a fait un beau voyage,
Ou comme cestuy-là qui conquit la toison,
Et puis est retourné, plein d’usage et raison,
Vivre entre ses parents le reste de son âge!
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Quand reverrai-je, hélas, de mon petit village
Fumer la cheminée, et en quelle saison
Reverrai-je le clos de ma pauvre maison,
Qui m’est une province, et beaucoup davantage?
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Plus me plaît le séjour qu’ont bâti mes aïeux,
Que des palais Romains le front audacieux,
Plus que le marbre dur me plaît l’ardoise fine:
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Plus mon Loir gaulois, que le Tibre latin,
Plus mon petit Liré, que le mont Palatin,
Et plus que l’air marin la doulceur angevine.
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Joachim du Bellay,
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TANTOS ANOS…
Tantos anos,
e somente este saber tão pobre,
coração incerto?
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Nem sequer o gasto óbolo para pagar
Caronte, se ele te abordar?
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— Aprovisionei-me de erva e água rápida,
tenho me conservado leve
para que a barca afunde menos.
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Philippe Jaccottet.
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Tant d'années...
Tant d'années,
et vraiment si maigre savoir,
coeur si défaillant ?
Pas la plus fruste obole dont payer
le passeur, s'il approche ?
— J'ai fait provision d'herbe et d'eau rapide,
je me suis gardé léger
pour que la barque enfonce moins.
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Philippe Jaccottet.
João, que maravilhas de traduções. Li com especial empolgação o segundo “Tantos Anos”, de Jaccottet. Poema curto, mas tão pesado em sua reflexão. A vida é nada, e quando nos vier a morte, esperemos não estarmos desprevenidos.