Mais um poema traduzido de Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882). “A hora das crianças” está no livro Tales of a Wayside Inn, de 1863. É uma cena doméstica repleta de ternura quando a noite vem baixando e as três filhas do poeta, nomeadas no poema – Alice, Allegra e Edith –, “invadem” o “castelo” de trabalho do pai e o cobrem de beijos e abraços. Ele, por sua vez, promete “encarcerá-las” no fundo mais fundo do seu coração e jamais tirá-las de lá. Busquei certas imagens e atmosfera da poesia brasileira do século XIX, e usei até a interjeição sus. O metro variou entre oito, nove e dez sílabas. Tentei rimar os quatro finais de cada estrofe, coisa que o original não faz. O terceiro e quarto versos da sétima estrofe – “O Bispo de Bingen são agora/Na Torre-do-Rato do Reno!” –, de acordo Regine Pernoud (1909-1998) são uma referência à “lenda da Maüseturm, ‘a torre dos ratos’, que se ergue sobre uma ilha rochosa em frente a Rupertsberg. Contam que um certo Hatto, bispo de Mayence, em tempos de penúria, tinha acumulado reservas de cereais na torre e, exasperado com os lamentos dos pobres que o atormentavam, mandou trancá-los num celeiro ao qual mandou tocar fogo. ‘Estão ouvindo os silvos dos meus ratos?’, perguntava, escutando os gritos dos pobres. Nessa mesma noite, bandos de ratos invadiram seu palácio; ele se atirou no Reno tentando escapar, mas os ratos o perseguiram e o devoraram vivo.” Trecho pertencente ao livro Hildegard de Bingen – A consciência inspirada no século XII, tradução de Eloá Jacobina, e publicado pela Rocco, em 1996.
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A HORA DAS CRIANÇAS
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Entre a escuridão e à tardinha,
Quando a noite cai mansa, mansa,
Pausamos a lida mesquinha,
Porque é a Hora dita das Crianças.
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Ouço do sótão e fico alerta:
O toque, toque dos pezinhos,
O ranger de uma porta aberta,
Vozes doces, vozes de carinho.
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Do estúdio, à luz da lamparina,
Vejo vindo descendo a escada:
Solene Alice, e a Allegra ladina,
E Edith com as tranças douradas.
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Um sussurro, e depois... silêncio:
Mas sei pelos seus olhos brejeiros,
Elas tramam travessas – suspense –
Pregarem-me um susto certeiro.
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Um súbito pulo da escada,
Súbito ataque do corredor!
E por três portas desguardadas,
Invadem o castelo do senhor!
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As três escalam minha torre –
Espalda e braços da cadeira;
Se tento escapar, não me socorrem;
Cercam-me de todas as maneiras.
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Com beijos quase me devoram,
Uma teia de braços pequenos,
O Bispo de Bingen são agora
Na Torre-do-Rato do Reno!
*
Pensa, ó bando de olhos azuis,
Só porque escalaste o castelo,
Este velho bigode – sus! –
Não é páreo para tal duelo!
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Rápido prendi-o no meu forte,
E não vou deixá-lo escapar, não, não,
Vou pô-lo dentro do contraforte
Da torre circular do coração.
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Para sempre, ali, ficarão, meninas,
Sim, para sempre, até o dia
Que as paredes sejam só ruínas,
E pó apodrecido sem valia!
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Henry Wadsworth Longfellow.
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THE CHILDREN’S HOUR
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Between the dark and the daylight,
When the night is beginning to lower,
Comes a pause in the day's occupations,
That is known as the Children’s Hour.
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I hear in the chamber above me
The patter of little feet,
The sound of a door that is opened,
And voices soft and sweet.
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From my study I see in the lamplight,
Descending the broad hall stair,
Grave Alice, and laughing Allegra,
And Edith with golden hair.
*
A whisper, and then a silence:
Yet I know by their merry eyes
They are plotting and planning together
To take me by surprise.
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A sudden rush from the stairway,
A sudden raid from the hall!
By three doors left unguarded
They enter my castle wall!
*
They climb up into my turret
O’er the arms and back of my chair;
If I try to escape, they surround me;
They seem to be everywhere.
*
They almost devour me with kisses,
Their arms about me entwine,
Till I think of the Bishop of Bingen
In his Mouse-Tower on the Rhine!
*
Do you think, O blue-eyed banditti,
Because you have scaled the wall,
Such an old mustache as I am
Is not a match for you all!
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I have you fast in my fortress,
And will not let you depart,
But put you down into the dungeon
In the round-tower of my heart.
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And there will I keep you forever,
Yes, forever and a day,
Till the walls shall crumble to ruin,
And moulder in dust away!
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Henry Wadsworth Longfellow
Amei a escolha do poema para traduzir. Quanta ternura! O poema ficou tão lindo! Estou encantada.
Um primor!! Obrigada!