Esta edição da Rua da Graça é para comemorarmos os nossos 18 anos juntos: Alessandra e eu. Tenho um livro de poemas inédito no qual acrescento os novos escritos para ela desde 2006, ano em que nos encontramos. Mais precisamente em 08 de abril. Uma tarde de sábado. Abaixo, uma pequena seleção de Uma mulher toda música. O nome da musa já está dito, e vai aparecer MUITAS vezes. Mas ela assina seus livros como Állex Leilla (@allexleilla) e escreveu os seguintes romances: Henrique, 2001; Primavera nos ossos, 2010 (prêmio Petrobras Cultural); Não se vai sozinho ao paraíso, 2016; O mal não tem asas, 2021. Os livros de contos: Urbanos, 1997 (prêmio COPENE e Fundação Casa de Jorge Amado); Obscuros, 2000; Chuva secreta 2013 (edição que inclui o conto premiado no Concurso Luiz Vilela); Elefantes submersos, 2022. A novela O sol que a chuva apagou, 2009. Formada em Letras pela UFBA, onde também fez mestrado em Letras e Linguística, é doutora em Estudos Literários pela UFMG e professora de literatura na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
ALESSANDRA
O mar e a manhã nascem do seu corpo –
sal e luz. E esse voo, que nos alcança
em forma de sanhaço, quase um sopro,
faz da janela o seu aeroporto,
o instante fica nu em meio à dança
imóvel no silêncio em luz e sal.
O seu corpo é o mistério mais real.
[Alguns nomes não envelhecem...]
Alguns nomes não envelhecem:
frescor de romã, Alessandra,
o tempo, sem jeito, decresce,
ao mandar no corpo não manda
no nome que sonha ser prece.
Escrevo de novo – Alessandra,
azul de varanda aparece,
brisa solar, mediterrânea,
borda na folhagem seu s,
de letra a letra a luz é âmbar
e dentro do nome amanhece.
O QUE NÃO É VOCÊ
A vida – esta voltagem
Sua pele?
Morada
de veludo e úmido
e assim sem datas
O unguento-bálsamo
no sem-sentido?
Isso!
Sua pele então
mais que morada
Desquero o que não é você
3 — Uma mulher toda música Eu pretendi colhê-la num só gesto, que fosse imaterial, também tangível, tentei a forma livro, o sonho aberto, estive atento ao peso do invisível. Busquei coisas menores, mais modesto, — uma manhã urbana, a luz possível. Tudo inútil, desejo o cerne e aperto o escuro, mesmo sendo tão legível o corpo branco, nu, dentro da tarde. Agora me concentro em não fixá-la em pauta ou pensamento para dar-lhe o ritmo necessário de quem cala, a música a envolvê-la sem alarde enquanto ela caminha pela sala. 2007
LUZ IMPRESSA
Cada fio de luz que te sustenta,
e te arrebata aos céus das coisas vivas,
espelha uma esperança que me criva
e segundo a segundo é mais sedenta:
rever-te na moldura que te isenta
do que fugindo o tempo não arquiva,
do que ficando é falsa tentativa
de qualquer duração por mais atenta.
Rever-te como agora – luz impressa.
Amando sem saber, sabendo mudo,
pois quem ama ao eterno se endereça:
esse lugar, já sem moldura, estudo e
peço a Deus e te peço: – a Ele peças –
na outra vida, nós dois, depois de tudo.
O ROSTO
No rosto de Alessandra, a luz procede
como a tarde nas copas da alameda –
o que perde em clarão, ganha em leveza,
e por mais que se esconda, transparece.
RETRATO
O silêncio cristalizou-se
na luz desenhada do seu rosto
(Foi na cozinha, à noite, em torno da mesa).
E eu vi as mãos do anjo
acender no seu rosto
o lado visível
da eternidade.
O silêncio não seria uma explicação.
Mas iluminou-se em mim algo de Céu.
UM SÓ GESTO
Somos nós dois, Alessandra,
com nossos anjos da guarda:
sussurre ao seu esperança,
o sussurro ao meu não tarda.
Dois corações num só gesto
– Deus está sempre por perto.
Atravessemos a noite.
Há faróis na travessia,
que fique o findo no foi-se,
e uma discreta alegria.
Olhos nos olhos se entendem.
Deus está sempre no centro.
Viagem que vai ao meio
ou já ganhou seu depois.
Mas ouro não perde o veio
quando o tempo reza em dois.
A vida, à vida, diz sim.
Deus está sempre no fim.