MARCELO VALOIS é natural de Jacobina/BA, mas se diz filho de Fedegosos, no Município de Morro do Chapéu/BA. Filho de professora pública (Alvanira Coutinho Costa) e de um lavrador/feirante/caminhoneiro/músico (Alvino Valois Costa), dos quais herdou o gosto pela arte. É advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA (1998), radicado em Salvador (BA) desde 1991. Hoje com 50 anos de idade. Sua primeira obra solo, a propósito, foi publicada em dezembro de 2022 e se trata de um livro estruturado na literatura clássica cordelista, tendo por título “19 DE MARÇO – A SAGA DE UM JOSÉ”. Poeta com diversas obras autorais também publicadas em antologias poéticas; traz na sua poesia o traço regionalista, mas com elementos universais, e não foge ao enfrentamento dos problemas do seu tempo, sem travas nem restrições que lhe impeçam trafegar por estilos e temáticas variadas com extrema liberdade.
(Lembrando: um * é para dividir as estrofes; três *** são para a divisão entre poemas.)
***
SONHOS DE QUINTAL
Nas vias onde andei, em cada pedra
fincada no horizonte das retinas;
na sombra da memória hoje em ruínas;
*
me achei no espaço-tempo que a outros cega.
E os sonhos de quintal desse passado;
lençóis brancos, quarados no riacho
que ainda corre em mim, onde eu me acho;
*
é esto subindo o rio – mar retornado –.
E o agora é o amanhã nesse atravesso
em que ando de mãos dadas com o menino.
*
Mas, sei ser impossível esse regresso.
E nesse multiverso desatino,
se é delírio ou razão, eu não confesso.
Só sei que do passado, sou inquilino.
***
AZIMUTE
De onde aprendi riscar pedra com giz,
traçando os azimutes no meu plano,
na incerta itinerância, qual cigano
– vida de aresta só, sem bissetriz –;
*
partir não era escolha. Querer? Quis...
Logo à frente, horizontes desenganos,
presságios rutilantes me acenando e
sirenas me encantando. E então, o que fiz?
*
No início, cada pedra era um tropeço
– o acerto, sempre é a sina do aprendiz –;
Da pedra eu forjei meu amuleto e
*
depois que desisti de ser feliz,
da volta ao mundo fiz meu recomeço;
pra lá, onde risquei pedra com giz.
***
CAVALGADOR DE DESTINO
I
destino em pelo montado
tomando as rédeas do arção
*
menino cavalga o tempo
sem rebenque nem espora
*
no riacho da mansidão
nem por isso o tempo chora
nem por isso o tempo escora
*
é tempo visgo de jaca
tempo arapuca e alçapão
*
II
tempo cheiro de taquara
tempo de roupa quarada
*
é tempo viço de bicho
tempo suor, sol a pino
no gelo da madrugada
*
tempo de fazer menino
cavalgador de destino
*
tempo que sofreia a marcha
na senda que leva ao nada
*
III
corpo com um frio por fora
do todo e por dentro expia
*
no lombo, da noiva o açoite
no olho de pedra embaciado
a foice trinca e alumia
*
mandaçaia sem ferrão
morreu rainha tal dia
*
toco oco abandonado
e Tonho chorou, coitado
*
é o tempo, garrancho seco
que rasga o couro do peito
rompe em galope e assovia
***
LITANIA
Tudo ficou para trás...
As chuvas abençoadas
– espelho do Éden no chão.
*
Tudo ficou para trás...
O todo um olhar padroeira.
Lágrimas de procissão.
*
Tudo ficou para trás...
Matraca na Sexta-Feira
Santa. Tanta devoção!
*
Tudo ficou para trás...
O bolo amassado à mão:
sal e lágrimas de mãe.
*
Tudo ficou para trás...
Aquele olhar de alcatrão
– vezes rio, vezes sertão –.
*
Tudo ficou para trás...
Dedos de catar piolho
amarrando, em fios, a alma.
*
Tudo ficou para trás...
Domingos – manhãs exangues.
Nós na garganta. Navalha.
*
Tudo ficou para trás...
Vestido sol de mei-dia
queimando meus pensamentos.
*
Tudo ficou para trás...
O adeus à sua inocência
medida em sete tempos.
*
Tudo ficou para trás...
A mala. A arrumação
do destino – contramão.
*
Tudo ficou para trás...
Cancelas e mata-burros
numa feliz solidão.
*
Tudo ficou para trás...
A estaca, a farpa e o arame.
A herança, a casa e o nome.
*
Tudo ficou para trás...
A terra pare o que come
e cospe o que nela some.
*
Tudo ficou para trás...
O tempo, com suas mil bocas,
matando – menos sua fome.
Provocou em mim sentimentos de quando leio Eliot. Gostei muito. O livro de José pesquisei e não achei onde comprar.
João, uma dica de formatação no Substack: quando estiver escrevendo o post, há um botão de "Mais" na parte superior da tela. Ao clicar nele, uma das opções será "Poesia". Tudo o que for digitado dentro do campo inserido a partir dessa opção ficará com os espaçamentos inalterados.