Leandro Costa tem 30 anos, e é ficcionista nascido em Brasília.
*
QUASE MONOGAMIA
Naquela madrugada, enrolada apenas num lençol, Pâmela fumava na sacada do prédio, baforando lentamente e fitando as luzes noturnas da cidade. Seu amante, Agenor, com quem se relacionava há poucos meses, dormia no quarto do costumeiro hotel. Sob o êxtase da noite de prazeres, ainda um pouco embriagada, a imagem que via da sacada parecia-lhe um oceano escuro de concreto para onde ela queria entregar-se.
Devaneando ainda, apagou o cigarro de menta ali na lixeira, levantou-se e foi ao frigobar em busca de mais uma cerveja. Ligou a TV, e nela apareceu uma moça de biquíni, com o corpo magro como o dela, desfilava no asfalto para depois adentrar num possante automóvel.
Mas o som da televisão despertou Agenor de seu sono tranqüilo. E vendo Pâmela do corredor, sorriu-lhe um riso largo, um riso que se fosse endereçado as muitas outras mulheres, seria quintuplamente retribuído. Entretanto, ela, absorta em seus sentimentos grandiosos e eufóricos, apenas o notou quando ele se sentou junto a ela no sofá. Abraçou-a sem ser abraçado de volta, e para dar mais ênfase às carícias, beijou a amante no rosto. Acabrunhou-se rapidamente com a frieza dos gestos dela, mas se recordando do que fizeram há algumas horas, estendeu os braços largos no sofá.
Depois de uns minutos vendo a televisão, Agenor foi à copa e perguntou em voz alta:
— A cerveja acabou, quer que eu peça mais?
Era ele quem na verdade queria mais, mas Pâmela respondeu que sim, sem o olhar.
— Vou pedir para nós. A noite é uma criança!
Discou o número no interfone e não tardou para que chegasse cerveja no balde de gelos.
— Vai mais uma aí? — disse ele estendendo a mão com uma longneck na ponta dos dedos, que logo lhe foi tomada.
Agenor, de súbito, rolou por cima de Pâmela, cobrindo-a de beijos. Ela ainda retribuiu alguns deles, sufocada, mas se foi recusando, pedindo que parasse. Sem entender, com os ânimos murchados, apenas reclamou em silêncio, mas por dentro estava corroído pela rejeição repentina. “Mulheres”, pensou consigo, “mulheres!”
Agenor voltou para o quarto, deitou-se na cama. Logo pôs-se a refletir, e dado alguns minutos concluiu que Pâmela já não lhe servia. Ficava mais e mais distante, com mudanças bruscas de humor. Queria uma amante que o abraçasse, que lhe fosse meiga, carinhosa todo o tempo, disponível todo o tempo. Mas ela era... crua. Uma mulher crua, refletia consigo. Bebericou da cerveja que trouxe para o quarto, tomou fôlego e foi à sala tirar leite de pedra:
— Amor, o que você quer fazer agora?
Um turbilhão de emoções vívidas passava pela cabeça dela, mas nenhuma envolvia Agenor. Ela não lhe respondeu, olhos presos na TV. Ele avançou um pouco mais e desligou-a. Àquela altura, Agenor já tinha desistido do relacionamento. Estava claro que lhe mandaria embora, tiraria tudo que pertencia a ela de seu apartamento no dia seguinte, e selaria o fim da relação. Dissimulando ainda, mostrou na estante a fileira de DVD’s e sugeriu que ela poderia escolher um para assistirem, já que ela não respondia a nenhuma de suas solicitações.
Ela levantou-se e disse:
— Nossa, você está um saco, hein?! Puta que pariu! — levantou-se esbaforida batendo no sofá.
Dali foi direto ao quarto, passando por ele. Vestiu suas roupas e depois sentou-se na ponta da cama, pediu o Uber. Enquanto isso, a fúria de Agenor foi às alturas, ele bebeu e também fumou com ligeireza o quanto pode entre o intervalo em que ele, sem questionar nada, viu-a entrar no quarto e sair pela porta da sala.
Jogou-se no sofá. Começou a maquinar o futuro. Para não ficar sozinho, teria de novamente começar outra saga com outra mulher: buscar na porta do trabalho, da faculdade, o que for, correndo o risco de logo, em alguns meses, terminar em definitivo; teria de investir com encontros, visitar famílias, conhecer gente estranha e depois, sem motivos, ver o fim do relacionamento.
Repassou relacionamentos passados, e só em alguns casos pôde avaliar bem seus erros. Pâmela sem dúvida foi a mais repentina de todas com quem ele se encontrara.
Foi à sacada e rememorou os momentos em que passaram juntos, e encontrou pontos obscuros na personalidade dela, entretanto, uma característica era evidente: a vaidade. Queria tudo do mais caro, admiradora de marcas.
Foi ao baixar dos olhos que viu Pâmela debaixo da palmeira aguardando o Uber, e gritou-lhe:
— Vaidoosaaa! Vaidosa e fútil!
Pâmela deu-lhe dedo. Agenor gargalhou até vê-la entrar no carro e mais ainda quando virou a esquina.