Rua da Graça 13
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MUDAR DE CASA I
Nas tardes de setembro, às cinco e meia,
meu fantasma de número cinquenta,
nostálgico da luz que viu nas veias,
dirá: – nesta varanda o amor nos pensa,
pensou e pensará. Aqui, amamos.
Cada cômodo esconde o seu laudêmio,
as paredes não contam o que somos,
e o silêncio revoa como um prêmio
na biblioteca ausente que se amplia,
nossa vida em volumes respirados.
Qualquer coisa de eterno (foi-se o dia)
ondeia pela sala e pelos quartos.
MUDAR DE CASA II
Os novos inquilinos chegam cegos
dessa avidez dos viajantes natos.
Desconhecem da casa os sortilégios,
que se aninham nas marcas dos retratos;
dos afetos que moldam cada cômodo,
da vida concentrada em sua sede,
vibrando nas manhãs de quanto amamos,
os dias que compõem cada parede.
A casa diz aos novos inquilinos:
(mas ouvirão velhíssima ternura?)
reformas não terão nenhum domínio
– o que o amor tocou não se derruba.
MUDAR DE CASA III
Nas mudanças o espaço vira tempo.
Aqui, choramos. Música sem lastro
modulando em silêncio os aposentos,
e grafando no ar os nossos rastros.
Na mudança o ter sido se desdobra
em ser lenda real, mas sem contrários.
A casa no poema já transborda
em nuvens e canções, nosso inventário.
“Fomos felizes” – diz o vento leste
numa tarde que finda e recomeça.
A casa sem resumo já nos veste,
levamos sua chave mais secreta.