E é nesse ambiente burocrático que eu afirmo: certas palavras não podem ser substituídas. Os sinônimos se tornam impotentes. Tais termos pesam seu fardo de vivência e significado, muitas vezes incômodo, é certo, mas substancioso. Venda para mim não é apenas um pequeno estabelecimento comercial. É uma multidão de desencontros harmônicos. Digo venda e dizê-la dói. Percorrer suas letras, a sinuosidade gráfica, as portas, galerias e escadas desse nome é materializar existencialmente um universo que, taciturno, se impõe. Mas venda bafeja o seu barulho inquieto. Presenciada em bruto, como acontece com a experiência, foi-se tornando demoradamente matéria revisitada enquanto se distanciava. E deu-se a estranha, mas esplêndida perspectiva – quanto mais longe mais real. Digo e redigo venda e o substantivo feminino jorra inesgotável. Falta coisa ainda. Há sempre algo mais a acrescentar. Porque se lembrança fosse água, a memória de um único homem provocaria outro dilúvio.
De dentro do vocábulo venda retiro, não como mágica, é mais como um milagre, todo um dicionário da concretude da labuta diária. O tangível incorporando o abstrato adquiriu mnemonicamente forma que não se dissipa. Não quer se dissipar. É vivência conjunta. Se eu digo “escorva”, ou se penso em “roçadeira”, ou ainda em “colorato”, cada palavra arreganha uma dimensão assombrosa, pelo menos, para quem a articula, que sou eu mesmo. Essa mitologia gramatical produz o efeito de mise-en-abyme infindável. A ironia particular é que eu fui um péssimo aprendiz de comerciante. Minha maneira de atender um freguês era ouvi-lo para além da compra. Errava o troco, e contemplava a mercadoria.